Seu Guto diz que planta laranjas para adoçar a vida. Ele é um dos mil agricultores que se dedicam à atividade no bairro da Posse, em Tanguá, conhecido por produzir as frutas mais gostosas do Brasil. Até o fim de 2020, a região pretende formalizar essa fama com um selo de denominação de origem (DO), uma espécie de “pedigree” da gastronomia. Os agricultores já deram entrada no pedido de certificação no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), responsável por conceder o título. A honraria já é pleiteada pelas vieiras da Baía de Ilha Grande, que têm um sabor mais delicado do que as demais. Se a candidatura do molusco for aprovado, ele vai se tornar o primeiro alimento fluminense a ostenta o selo.
Depois de ganhar o selo, concedido apenas para itens que tenham características especiais em função da área em que “nasceram”, é preciso manter a qualidade e as mesmas técnicas de produção. A trabalheira vale a pena: qualquer produto gastronômico com o título ganha instantaneamente status gourmet — e pode, é claro, ser vendido a preços mais altos. Os planos da secretária de Agricultura de Tanguá, Cláudia Milhão, vão além:
— Produzimos 6 milhões de toneladas de laranja por ano, e a maior parte das vendas é para a Ceasa. Com o certificado, poderemos levar adiante o plano de investirmos em exportação.
Hoje, três tipos de rochas ornamentais do Noroeste fluminense são os únicos produtos do Rio com DO reconhecida pelo INPI. A previsão é que o selo das vieiras da Ilha Grande seja concedido no mês que vem. Se a certificação se concretizar — o INPI guarda a sete chaves o andamento do processo —, os moluscos da Costa Verde vão virar vedetes da alta gastronomia. O título alavanca tanto as vendas que os produtores das cachaças de Paraty, que têm um título de indicação de procedência, já estão de olho em nova certificação. O selo que eles têm atesta apenas que um produto foi feito em determinado local. Já a denominação de origem indica também que o item tem características especiais por causa da região em que é encontrado. Segundo os donos dos seis alambiques da cidade, a pinga de lá preenche esses requisitos. As chuvas frequentes no município combinadas à salinidade da água evaporada do mar dão à bebida feita lá uma acidez e picância únicas.
— A indicação geográfica transformou a cachaça de Paraty em um produto nobre e fortaleceu a cultura dos alambiques na região — diz Fabrini dos Santos, consultor do Sebrae que acompanhou o processo de obtenção da indicação de procedência.
Para Santos, outros produtos fluminenses têm potencial para receber selo de indicação geográfica. É o caso do café da Região Serrana, os doces de Campos e das cocadas de Muriqui, entre outros exemplos. Com três representantes, o Rio é o estado brasileiro com maior número de itens na lista das 20 DOs reconhecidas até hoje. Entre eles, há nove produtos estrangeiros, como o champanhe francês e a tequila mexicana. Já na relação das 54 indicações de procedência s concedidas, a única mercadoria fluminense é a cachaça de Paraty. Fazem companhia a ela outras hits brasileiros, como o cacau do sul da Bahia, a carne bovina dos pampas gaúchos e o queijo mineiro da Serra da Canastra.
O que é que essa fruta tem?
As laranjas de Tanguá são mais doces do que as dos vizinhos. Na escala Brix, usada na indústria de alimentos para medir a quantidade de açúcar em um produto, elas atingem um índice sempre acima de dez, chegando a 16 em alguns casos. Uma fruta com índice acima de 8 já é considerada de alta qualidade.
Segundo agricultores, as frutas da região, que produz laranja seleta, natal e natal folha murcha, duram até duas semanas sem estragar. A média para laranjas de outros locais, dizem eles, é de três dias.
— Tudo indica que o nível de potássio e fósforo acima da média no solo daqui é uma das possíveis explicações para essas características — diz o engenheiro agrônomo Licínio Louzada, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater).
A caixa com 140 laranjas é vendida na Ceasa por R$ 50. Para identificar o produto, basta olhar se a laranja é mais opaca do que as demais. Elas normalmente têm o cabinho, retirado dos produtos de outros estados por restrições sanitárias.
Já as vieiras da Ilha Grande, também candidatas ao título, têm sabor mais suave e adocicado que a média em função das algas existentes na região. Há cerca de 20 produtores envolvidos na atividade e, por ano, são produzidas oito toneladas da iguaria, “prima” da ostra.