Volkswagen quis impedir registo de marca da start-up portuguesa de aluguer de autocaravanas. É imitação da pão da forma, dizia a marca alemã, que viu o Tribunal de Propriedade Intelectual dar-lhe razão. Mas a Relação de Lisboa concluiu que não há imitação.
David Mandim
A start-up portuguesa Indie Campers, que se dedica ao aluguer de autocaravanas, teve o registo da sua marca anulado pelo Tribunal de Propriedade de Intelectual após uma queixa da Volkswagen Aktiengesellschaft (VW) que alegava haver imitação de marca e possível concorrência desleal. A empresa portuguesa não se conformou e recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, em acórdão de 7 de novembro, revogou a setença e ordenou o registo da marca por concluir não havia imitação nem qualquer possibilidade de concorrência desleal. Em causa está o facto da Indie Campers usar no seu logotipo a parte dianteira de uma carrinha em tudo idêntica à célebre ‘pão de forma’ da VW, modelo cuja designação oficial é Volkswagen Transporter, criada em 1950.
A Indie Campers registrou a marca em 2018, após o pedido entrar no ano anterior, e o INPI aceitou. Depois de contestar junto do INPI e este não lhe dar razão – considerou não estar preenchido o conceito jurídico de imitação -, a VW impugnou judicialmente o registo. Argumentava a marca alemã que o registo da Indie Campers podia “induzir o consumidor em erro ou confusão, ou gerar concorrência desleal, tanto mais quanto o sinal prioritário goza de notoriedade”, em referência à ‘pão de forma’.
O processo correu no Tribunal de Propriedade Intelectual de Lisboa, onde a Indie Campers contestou as alegações do gigante alemão da indústria automóvel, considerando não se verificar “identidade ou afinidade dos produtos, nem semelhança que induza o consumidor em erro ou confusão. Não ocorre violação das marcas ou dos desenhos da reclamante nem se verifica qualquer ato que consubstancie concorrência desleal”. O tribunal foi em sentido inverso e anulou o registo, ao concluir que “a semelhança entre as marcas faz com a recorrente[Indie Campers] beneficie da qualidade associada aos produtos de VW, aproveitando indevidamente da notoriedade desta no mercado, o que consubstancia um ato de concorrência desleal“. E assim revogou a “decisão do INPI de 7.02.2018, que concedeu registo da marca nº 586625, negando-se proteção à dita marca.”
A Indie Campers, que tem alcançado sucesso no seu negócio, estando já presente em 13 países, não se conformou e recorreu. Algumas das suas alegações não tiveram concordância na Relação de Lisboa mas a questão essencial era se havia ou não imitação através da imagem semelhante ao “carismático modelo Volkswagen Transporter, carinhosamente apelidado em Portugal de ‘pão de forma’”, como refere o tribunal. Os juízes -desembargadores Teresa Sandiães, Ferreira de Almeida e António Valente concluíram que não há imitação. Recorrendo às marcas registadas, com as imagens a serem reproduzidas no acórdão, o coletivo entendeu que há diferenças, sobretudo por ter o nome Indie Campers a diferenciar bem as duas marcas.
“As marcas da apelada [VW] são de sinal exclusivamente gráfico (três figurativas e uma tridimensional) a representar um veículo automóvel, tipo carrinha ou “van”, conhecida como carrinha “pão de forma”, em diversas posições, cujas linhas se mostram desenhadas a preto, inscritas sobre um fundo branco, inócuo. Por outro lado, temos a marca registanda, de sinal misto, constituída por uma única expressão verbal “Indie Campers”, escrita em cor branca, sob fundo azul ciano, ligada a um elemento figurativo, que se situa em plano superior, e que representa parcialmente a lateral de um veículo automóvel, tipo carrinha, nas cores branca, azul e preto, sob fundo laranja forte. A existência de elemento nominativo na marca registanda, aposto de forma destacada, em relação ao elemento figurativo, apresenta autonomia significativa, assumindo relevância diferenciadora perante as marcas prioritárias, meramente gráficas“, lê-se no acórdão.
Entenderam ainda que o jogo de cores, bem como as linhas estilizadas da parte lateral de veículo automóvel da marca Indie Campers “constituem elementos que atribuem ao respetivo conjunto um aspeto gráfico, fonético, figurativo e semântico bastante distinto dos sinais gráficos das marcas da VW”.
A legislação também diz que a avaliação de associações entre marcas registadas deve ser imediata e sem pormenores, já que, como refere o acórdão sobre este caso, “o consumidor, em geral, não tem possibilidade de proceder a exame comparativo, e tendo sempre presente que se deve ter em conta uma impressão de conjunto, global, fruto de exame rápido, sintético, desvalorizando pormenores, e centrando-se nos elementos essenciais“.
Neste contexto, a Relação de Lisboa diz que “nada permite concluir pelo risco de aproveitamento parasitário ou da verificação, entre as respetivas entidades titulares, de situações geradoras de fenómenos de concorrência desleal”. Assim julgou procedente o recurso da Indie Campers, determinando a concessão do registo da marca n.º 586625, subsistindo desta forma o despacho do INPI, de 2018.