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Quase 45% de todas as ações relativas à violação de patentes nos EUA são movidas em Marshall, uma pequena cidade em uma zona rural do Texas, com cerca de 25 mil habitantes apenas. Marshall, que fica no “Distrito Leste do Texas” da Justiça Federal, é um dos “tribunais amigáveis” a autores de ações de violação de patentes — aliás, o mais amigável do país. O julgamento é rápido, e as indenizações concedidas pelos júris são as melhores do mercado.

O juiz federal Rodney Gilstrap julgou mais de um quarto de todas as ações de violação de patentes nos EUA, entre 2014 e 2016. Ou seja, ele, sozinho, julgou mais ações desse tipo do que todos os juízes federais da Califórnia, Flórida e Nova York — três grandes estados da federação americana, um na costa oeste e dois na costa leste do país.

De todas as ações movidas no Distrito Leste do Texas, 90% favoreceram empresas conhecidas como patent trolls (troll, segundo a Wikipédia, é uma criatura antropomórfica imaginária do folclore escandinavo). O termo “patente troll” se refere a empresas que não produzem nada, mas compram patentes para licenciá-las ou, de preferência, processar quem as viola. O termo foi cunhado pela Intel, depois que a empresa se referiu a essas negociadoras de patentes como “extorsionistas” e foi processada por difamação.

Nesta segunda-feira (27/3), a Suprema Corte dos EUA fez a primeira audiência, para ouvir e debater alegações das partes, no caso TC Heartland versus Kraft Foods Group Brands. A Kraft processou a Heartland em Delaware, que tem o segundo distrito da Justiça Federal mais amigável a autores de ações de violação de patentes. O distrito responde por 10% de todas as ações movidas no país.

Esse caso não tem nada a ver com Marshall, do Distrito Leste do Texas, nem com patent trolls, porque a Kraft não é uma delas. Mas esses dois fatores roubaram a cena na audiência, porque exemplificam mais nitidamente um problema que a corte se dispôs a discutir: o fenômeno conhecido como forum shopping — o termo “shopping”, mais conhecido como o ato de fazer compras, também se refere à pesquisa de melhores produtos pelos melhores preços. A expressão se refere, então, à escolha dos melhores fóruns para se mover tais ações.

A questão principal perante os ministros da Suprema Corte é onde um demandante pode mover uma ação contra um demandado, em casos de violação de patentes. No momento, os ministros não sabem. E estão cheios de dúvidas, por causa de precedentes da própria corte.

Por enquanto, os tribunais de primeiro grau e grau de recurso especializados em patentes vêm adotando uma decisão de 1990 da corte, segundo a qual os autores podem mover as ações em, essencialmente, qualquer lugar que tenham negócios. Para alguns ministros, não é simples reverter uma prática que prevalece há quase 30 anos.

No entanto, o advogado da Heartland lembrou — e alguns ministros agradeceram — um outro precedente da corte, de 1957, que interpretou a lei existente, que diz: “Qualquer ação civil de violação de patente pode ser movida no distrito judicial [federal, por se referir a ‘distrito’] no qual o demandado resida”. Na época, a corte interpretou que “onde reside” significa “onde for incorporada”.

Para a ministra Elena Kagan, esse entendimento poderá prevalecer. Para a ministra Ruth Ginsburg, essa foi uma decisão muito limitada, porque, frequentemente, as empresas são incorporadas em um lugar e têm sede em outro. O ministro Stephen Breyer disse que não consegue avaliar se isso é bom, ruim ou indiferente. O ministro Anthony Kennedy disse que se preocupa com as altas indenizações concedidas aos autores em determinados tribunais.

A Heartland quer ter o direito de responder ao processo em Indiana, onde é sediada e onde os tribunais são neutros em relação a essa questão. Uma grande leva de grandes corporações protocolaram, na Suprema Corte, petições de apoio à Heartland. Muitas vezes, elas são obrigadas a se deslocar dos extremos geográficos do país para a região central para se defender em um tribunal inamistoso.

O problema é pior para empresas de pequeno e médio porte, que não têm condições financeiras para sustentar um contencioso no Distrito Leste do Texas. Nos processos movidos pelas patent trolls, sai mais barato para elas (como para a maioria das corporações de grande porte) fechar um acordo aceitável pelas patent trolls do que tocar o contencioso.

Algumas empresas protocolaram petições a favor da Kraft — ou, mais exatamente, a favor de manter tudo como está. À frente, estão os laboratórios farmacêuticos. É muito conveniente para eles processar produtoras de remédios genéricos, por violação de patentes, nos “tribunais amigáveis”.

Para a maioria das corporações, no entanto, a prática prevalecente encoraja a promoção de ações judiciais custosas e acordos exageradamente lucrativos. Há patentes para tudo, desde chips de computador à receita de café expresso e a fraudas — uma curiosidade: a frauda descartável é o produto mais patenteado no país, dizem os jornais Washington Post, New York Times, Politico e outras publicações.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2017, 16h53

http://www.conjur.com.br/2017-mar-28/autores-acoes-violacao-patentes-buscam-cortes-amigaveis