Apelação. Responsabilidade civil. Propriedade industrial. Uso de marca notoriamente conhecida. Roto Rooter. Autora que possui o registro da marca junto ao INPI desde março de 1956. Ré que somente efetuou o depósito de registro da marca em julho de 2007. Empresas que atuam no mesmo setor mercadológico. Ausência de demonstração da caducidade alegada pela ré ou mesmo de que a autora não atuasse no mesmo ramo. Prorrogação do registro em classe diversa pela autora. Inexistência de qualquer abusividade. Abstenção no uso da marca e do domínio indicado na inicial por parte da ré que era de rigor. Pretensão indenizatória da ré que não pode ser conhecida. Extinção, sem julgamento do mérito, da reconvenção apresentada pela ré. Questão transitada em julgado. Indenização por desvio de clientela devida. Uso parasitário da marca da autora por meio de domínio na internet.

Valor indenizatório que deve ser apurado em fase de liquidação de sentença. Recurso adesivo da autora provido e recurso da ré improvido.

A r. sentença de fs. 563/566, cujo relatório se adota, julgou procedentes os pedidos deduzidos na inicial para determinar que a ré se abstenha de utilizar a marca “Roto Rooter”, bem como cesse o uso do nome de domínio “www.rotorooter.ind.br” na internet, no prazo de 48 horas, sob pena de incidência de multa diária de R$ 5.000,00.

Inconformada, a ré apelou, sustentando que a autora não possui mais exclusividade no uso da marca “Roto Rooter”, uma vez que também detém o registro dela junto ao INPI desde 19 de julho de 2007. Aduziu que o registro da marca detida pela autora foi contestada por desuso em 17 de agosto de 1999 e

que ela somente pleiteou a alteração do registro nominativo para outras finalidades em 25 de abril de 2009, após o pedido de registro marcário formulado com especificidade de serviços de dedetizadora e desentupidora. Asseverou que a autora não requereu o cancelamento do registro no prazo de 180 dias previsto no art. 169 da Lei n. 9.279/96 e que não pode ser beneficiada pela sua inércia.

Impugnou a extinção da reconvenção apresentada e a condenação ao pagamento de honorários de advogado imposta, ressalvando que vem sofrendo muitos prejuízos desde a época da concessão da tutela antecipada. Afirmou que a autora se apropriou da logomarca de sua propriedade e também registrou o domínio “www.rotorooter.com.br” na internet, o que vem causando confusão entre os consumidores. Requereu o reconhecimento do direito de uso exclusivo da marca, bem como a condenação da autora ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.

A autora apresentou recurso adesivo postulando a condenação da ré ao pagamento de indenização por lucros cessantes decorrentes do desvio de clientela, no importe de 10% do faturamento sobre o período de uso indevido da marca.

Requereu, subsidiariamente, a apuração do valor indenizatório em fase de liquidação de sentença.

Recursos regularmente processados, com preparo (fs. 609/610 e 632/634) e contrarrazões da autora (fs. 619/631).

É o relatório.

A Constituição Federal, no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, assegura a proteção das marcas e outros signos distintivos, dando ao titular o direito de exclusividade de utilização, reprodução e publicação de suas obras (art. 5º, XXVII e XXIX, da CF).

Como elucidado por Fábio Ulhoa Coelho, as marcas são sinais distintivos, suscetíveis de percepção visual, que identificam, direta ou indiretamente, produtos ou serviços, nos termos do art. 122 da Lei 9.279/96 (Curso de Direito Comercial, vol. 1, 2012, Saraiva, p. 202).

Frise-se que a proteção assegurada pelo Direito de Marcas se limita a proteger o uso do signo que é feito num contexto marcário, ou seja, com a finalidade de identificar determinado produto ou serviço como proveniente de determinado

empresário e diferenciá-lo de seus correntes (Lélio Denícoli Schmidt, Do uso atípico da marca alheia, p. 58. In: Temas Relevante de Direito Empresarial. Org. Tatiana Bonatti Peres. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014).

Nesse sentido:

“A finalidade da proteção ao uso das marcas – garantida pelo disposto no art. 5º, XXIX, da CF/88 e regulamentada pelo art. 129 da LPI – é dupla: por um lado protegê-la contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto (art.4º, VI, do CDC)” (REsp. n. 1.105.422, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 10.5.2011).

No caso, verifica-se que a autora realizou o devido registro da marca “Roto Rooter” junto ao INPI em 21 de março de 1956 (fs. 484), enquanto a ré somente efetuou o depósito de registro de sua marca em 19 de julho de 2007 (fs. 485).

Como bem decidido pelo ilustre sentenciante, a ré não possui autorização para o uso da marca “Roto Rooter” junto ao INPI, pois somente formulou um pedido de registro, que se encontra sobrestado em razão das oposições apresentadas pela autora.

Ademais, conforme já decidido em caso análogo por esta Câmara, a marca objeto da presente demanda é notoriamente conhecida e goza de proteção especial, nos termos do art. 126, caput e §1º, da Lei 9.279/96: Ap. n. 0067744-39.2011.8.26.0224, rel. Des. Ênio Zuliani, j. 28.10.2015.

Assim sendo, considerando que a autora é titular da marca e possui o direito de uso exclusivo em todo o território nacional (art. 129, caput, da Lei 9.279/96), não era mesmo possível reconhecer o direito de uso exclusivo postulado pela ré.

Frise-se que não houve demonstração de que a autora deixou de fazer uso da marca durante qualquer período, não havendo qualquer indício da caducidade alegada (art. 142, III, da Lei 9.279/96).

Ademais, ainda que fosse desconsiderada a proteção especial conferida à marca notoriamente conhecida, o fato é que o requerimento de registro formulado pela ré em classe distinta da autora não alteraria o resultado do julgamento, pois ambas atuam no mesmo segmento mercadológico.

Sobre o tema, Lélio Denícoli Schmidt esclarece que:

“A proteção não repousa sobre a marca em si, mas sobre seu uso para identificar determinado produto ou serviço. Assim, nada impede que duas ou mais pessoas registrem ou usem a mesma marca, se os produtos ou serviços cobertos por

cada registro são inteiramente diferentes e não guardam correlação entre si. O princípio da especialidade se fundamenta num conceito de novidade relativa (aferida dentro do ramo de atividade), e não absoluta.

Entretanto, é um erro imaginar que a marca seja protegida unicamente na classe em que foi registrada no INPI, embora parte da jurisprudência por vezes faça esse tipo de afirmação superficial.

Não há nada na legislação que respalde essa suposição equivocada. As classes abarcam vários produtos ou serviços, agrupados por área, mas não são compartimentos estanques: se interpenetram e se relacionam entre si. Por conta disso, o critério determinante na análise de colidência entre duas marcas não é propriamente a classe em que se inserem, mas a existência ou não de identidade,

semelhança ou afinidade entre os produtos e/ou serviços que identificam, susceptível de gerar confusões ou associações indevidas” (A Proteção das Marcas no Brasil, p. 259. In: Tratado de Direito Comercial, v. 6. Coord. Fábio Ulhoa Coelho. São Paulo: Saraiva, 2015).

No caso, verifica-se que a apelada possui como objeto social, dentre outras atividades, a “locação de serviços efetivos de mão de obra de instalações hidráulicas, encanador hidráulico e desobstrução de encanamento e limpeza de fossas, podendo assessorar terceiros na técnica de desobstruções de encanamentos e limpeza de fossas, comercio, importação e exportação de máquinas e equipamentos para desobstrução de esgotos e encanamentos em geral e para limpeza de fossas e dedetização” (fs. 24).

Nessas condições, mostra-se irrelevante que a marca tenha sido registrada inicialmente como nominativa, na classe 09.50 (aparelhos elétricos de uso pessoal e aparelhos eletrodomésticos) – fs. 31, sobretudo diante da prorrogação do registro como marca mista, na classe 37.41 (serviços de reparação, conservação e montagem de instalação elétrica, hidráulica e gás) – fs. 481.

Isto porque não houve qualquer demonstração de que a autora não atuasse no mesmo ramo mercadológico que o da ré desde o início. Frise-se que a apelada já utilizava a marca no mercado há muitos anos, sendo reconhecida no setor

mercadológico que atua em diversos estados do Brasil, e tinha prioridade no registro (ou, no caso, da prorrogação em classe diversa), nos termos do art. 129, §1º, da Lei 9.279/96.

Nessas condições, era mesmo de rigor a condenação da apelante na abstenção de uso da marca “Roto Rooter”, bem como do domínio “www.rotorooter.ind.br” na internet.

A pretensão indenizatória formulada pela apelante não pode ser analisada, uma vez que o juízo de primeiro grau indeferiu liminarmente a reconvenção apresentada, julgando-a extinta, sem resolução do mérito (fs. 383).

A decisão mencionada transitou em julgado diante da interposição errônea do recurso de apelação por parte da apelante (fs. 401), o que impede o enfrentamento da questão neste momento processual.

Por outro lado, o pedido de indenização por lucros cessantes decorrente do desvio de clientela formulado pela autora deve ser acolhido, uma vez que houve violação da marca de sua titularidade e ambas atuam no mesmo segmento, conforme já decidido por este Tribunal de Justiça:

“O entendimento é que, uma vez confirmada a violação à marca da autora é devida a indenização que decorre da própria ilicitude e que se faz nos termos dos artigos 208 a 210 da Lei nº 9279/96.

Se assim não for se permitirá que fique impune o violador em detrimento do direito de exclusividade do titular. Por isso que, comprovada a violação da propriedade industrial, devem ser ressarcidos os prejuízos materiais” (Ap. n.

0014147-73.2011.8.26.0510, rel. Des. Maia da Cunha, j. 24.2.2016).

Veja-se que a utilização do domínio“www.rotorooter.ind.br” caracteriza a prática de uso parasitário da marca por parte da ré, uma vez que ela se valeu da notoriedade da marca da autora, já consolidada no mercado, para angariar clientes durante todo o período em que o domínio mencionado permaneceu em uso.

Nessas condições, de rigor a condenação da ré ao pagamento de indenização pelo desvio de clientela praticado, cujo valor deverá ser apurado em fase de liquidação de sentença.

Diante do exposto, DÁ-SE provimento ao recurso adesivo da autora e NEGA-SE provimento ao recurso da ré.

Hamid Bdine

Relator

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0005075-19.2007.8.26.0020, da Comarca de São Paulo, em que é apelante DEDETIZADORA DESENTUPIDORA E COMÉRCIO LOREMI LTDA (Adv. Marcelo Manoel Barbosa, OAB/SP 154.281) é apelado KRONAK EMPREENDIMENTOS LTDA. ACORDAM, em 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso adesivo da autora e Negaram provimento ao recurso da ré, por VU.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ENIO ZULIANI (Presidente sem voto), TEIXEIRA LEITE E FRANCISCO LOUREIRO. São Paulo, 13 de julho de 2016.

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