O que fazer com marcas notórias, mas que não se enquadram nem na categoria de alto renome nem na categoria de notoriamente conhecidas? Essas marcas possuem alguma proteção especial proporcionada pelo ordenamento jurídico atual ou a análise de sua proteção é igual a de qualquer outra marca?
Fonte: Raul Garbino Ramos de Lima
É sabido que as marcas de alto renome e as marcas notoriamente conhecidas possuem de forma inequívoca proteções especiais dentro do nosso ordenamento jurídico. As primeiras precisam passar por um reconhecimento pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI e, uma vez formalmente conquistado esse título, passam a desfrutar de proteção em todas as classes; verdadeira exceção ao princípio da especialidade.
Já as marcas notoriamente conhecidas são aquelas registradas em outros países e que são amplamente conhecidas em seu mercado/ramo de atividade; nestes casos não se exige o prévio depósito ou registro no Brasil para combater marcas que sejam cópias, preenchidos alguns requisitos. Tal propriedade consiste numa exceção ao princípio da territorialidade e de certa forma ao sistema atributivo vigente no nosso país.
Dessas duas possibilidades surge uma questão: o que fazer com marcas notórias, mas que não se enquadram nem na categoria de alto renome nem na categoria de notoriamente conhecidas? Essas marcas possuem alguma proteção especial proporcionada pelo ordenamento jurídico atual ou a análise de sua proteção é igual a de qualquer outra marca? A decisão exarada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região no acórdão da Apelação Civil 2002.51.01.514660-7[1] nos aponta que sim: as marcas notórias (famosas ou com alto grau de reconhecimento) possuem, por meio da teoria da diluição, uma proteção especial.
O caso Doublemint vs Double Soft, acima citado, é paradigmático para a presente questão, uma vez que a Excelentíssima desembargadora Liliane Roriz postula as diretrizes para a proteção dessas marcas em sua decisão. Ela diz claramente que a forma padrão de análise de colidência[2] não abarca todas as hipóteses de conflito, sendo necessária a inserção da teoria da diluição, cujas raízes normativas estão no art. 130, inciso III[3], da Lei de Propriedade Industrial – LPI, para a correta proteção de casos que “exigem uma análise mais profunda e sob outro enfoque”.
Vale reproduzir do acórdão as três modalidades de diluição trazidas pela desembargadora como também os critérios de incidência da teoria da diluição para a proteção desse grupo específico de marcas:
“1. maculação, que atinge a reputação do sinal pela associação deste com produto ou serviço de baixa qualidade ou pela sugestão de um vínculo com um conceito moralmente reprovado pela sociedade;
2. ofuscação, que atinge a força distintiva do sinal, violando sua integridade material, a partir do momento em que uma expressão passa a identificar produtos de fontes diversas, o que termina por se refletir em seu próprio poder de venda, reduzindo-o; e
3. adulteração, na qual o uso do sinal em formatação diversa por terceiros prejudica a fixação de uma imagem única junto ao público consumidor, afetando indiretamente a distintividade do signo. (…)
Possuindo incidência excepcional, a teoria da diluição demanda a verificação minuciosa dos seguintes elementos:
– A possibilidade de dano moral ou material à marca;
– O grau de renome da marca.”
Inquestionável pelo trecho acima que a fama (o renome) de uma marca constitui característica que lhe concede um reforço protetivo, já que, devido a sua projeção no mercado, obviamente ela estará sujeita a mais cópias e, portanto, a um enfraquecimento progressivo de seu poder distintivo. Essa maior proteção fornecida pelo ordenamento jurídico faz com que duas marcas – que numa análise comum não colidiriam – colidam tendo em vista a fama de uma delas.
O ponto originário da presente questão é a complexificação da análise de colidência entre marcas. Se antigamente bastava uma análise entre os aspectos gráficos e fonéticos e entre a afinidade dos segmentos mercadológicos para produzir a melhor resposta sobre a viabilidade de convivência entre marcas, hoje em dia é fato que tais análises não são suficientes para determinar uma colidência. A multiplicação de marcas e a globalização dos mercados trouxeram inúmeros fatores (tipo de produto, forma de sua comercialização, especialização do público-alvo, tempo de convivência das marcas no mercado, etc.) que devem ser considerados no momento do estabelecimento da melhor decisão sobre a convivência marcária.
A fama de uma marca é um desses fatores que intensificam a proteção marcária proporcionada pelo sistema; ou seja, quanto maior a fama de uma marca, maior deverá ser a exigência da distintividade de eventuais colidências a fim de impedir a diluição da marca notória. Como é afirmado pelo acórdão tomado aqui como paradigma, o alto reconhecimento de uma marca aponta para necessidade de um rigor a mais na análise do julgador, não podendo este se restringir às semelhanças das marcas ou afinidades dos produtos ou serviços. Por isso, é possível afirmar que uma marca famosa possui um âmbito de proteção especial ou reforçado, mesmo não preenchendo os requisitos de alto renome ou notoriamente conhecida.
Notas:
[1] TRF2 – Apelação Civil n.º 2002.51.01.514660-7, Ministra Relatora Liliane Roriz. 2ª Turma Especializada. DJ: 22/08/2006.
[2] “(…) examina-se, em regra, a distância entre o sinal pretendido e os que se lhe precedem no tempo, realizando um juízo a partir de um confronto entre os aspectos gráfico e fonético das marcas envolvidas, além de uma aferição da semelhança ou afinidade entre os segmentos mercadológicos em que se inserem.”
[3] “Art. 130. Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de: (…) III – zelar pela sua integridade material ou reputação”
Sobre os autores: Raul Garbino Ramos de Lima, Advogado – Sócio no escritório Lia e Barbosa Sociedade de Advogados Bacharel em DIREITO pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Extensão Universitária pela Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) – JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL Extensão Universitária pela Universidade François Rabelais – Tours – França – Direito Público: Contencioso Constitucional
https://www.jornaljurid.com.br/doutrina/comercial/marcas-famosas-possuem-protecao-especial-uma-analise-jurisprudencial-do-caso-doublemint-vs-double-soft?fbclid=IwAR3TqmhldqtQggvBeMAXSTQJflf_Ifel3n5eeZuwcmjI1pak0402eq-J19c