AUTORIA DAS OBRAS PRODUZIDAS POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
AUTORIA DAS OBRAS PRODUZIDAS POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. Marcelo Manoel Barbosa[1] [1] Advogado Especialista em Direito Empresarial pela PUC/SP, em Direito das Novas Tecnologias pelo CEU/SP e em Propriedade Intelectual pela PUC/RJ. Sócio de Lia e Barbosa Sociedade de Advogados. E-mail: marcelo@liaebarbosa.com.br Introdução. O estudo da autoria das obras produzidas[1] por inteligência artificial (“IA”), pode ser visto sob dois aspectos igualmente relevantes e que aqui serão tratados de modo simultâneo: o primeiro, sob uma ótica mais pragmática, observando o ordenamento jurídico vigente, e o segundo, a partir de uma leitura principiológica, examinando o estado atual das coisas e algumas das possíveis respostas para os desafios que essa realidade nos impõe. Dentre os diversos conceitos de IA, optamos por adotar aquele segundo o qual “se trata de uma área de estudo [da informática] focada em resolver problemas (ou criar máquinas que desempenhem essa função) que anteriormente somente a mente humana saberia responder” [2]. Ao falar sobre o desafio das novas tecnologias nos direitos autorais, Antonio Chaves transcreve apontamentos do autor italiano Mario Fabiani que assinala “ser o autor o espelho do tempo em que vive, refletindo o direito de autor a realidade na qual a obra é criada e utilizada.”[3] Assim, em tempos de IA, sendo esse mecanismo informático utilizado para produzir obras de valor estético que, aos sentidos humanos, se equiparam ou confundem com aquelas que são objeto de proteção do direito de autor, fica a tarefa de compreender e decidir se a produção advinda dessa nova matriz, deve ser acolhida pelos mecanismos de proteção vigentes, ainda que mediante ajustes ou, se essa espécie de criação, por interesse da sociedade, efetivamente merece algum tipo de tutela. José de Oliveira Ascensão, chama a atenção para o fato de que não se pode ter uma postura estática sob os ramos do direito, pois estes variam de acordo com a situação e necessidades de cada época, devendo o operador ficar atento a estas mudanças e não cruzar os braços, formulando o seu juízo de valor e intervindo nas “escolhas políticas a serem feitas”, de modo a satisfazer os interesses das partes envolvidas e alcançar os benefícios econômicos e sociais esperados[4]. Se confrontarmos as formas mais remotas de produção criativa, como a pintura rupestre encontrada numa caverna da Indonésia em 2017, de estimados 44 mil anos de existência[5], com as produções advindas dos sistemas de IA, temos como alguns dos diferenciais a serem considerados: a forma como o gênio humano foi envolvido em cada processo e os meios disponíveis e aplicados na sua elaboração. A gênese e sedimentação dos direitos conexos, aqui fazendo um paralelo, estão atreladas à evolução da técnica dos meios de comunicação, como aponta Ascensão, já que antes desse fenômeno e da descoberta dos meios mecânicos de reprodução, a circulação das obras era limitada a um pequeno grupo, sem finalidade lucrativa e, por corolário, sem interesse legislativo[6]. O nexo entre o criador (autor originário) e a criação (obra primígena), pode ser: um elemento natural aplicado com as próprias mãos (carvão ou sangue de baleia); uma ferramenta rudimentar ou complexa (um pincel de cerda natural para uma tela ou um piano acústico para uma música); um software (AutoCad® para um projeto arquitetônico) [7] ou um algoritmo baseado em IA (ChatGPT[8]). Neste contexto, o enfretamento da questão proposta, está dentro da evolução regular do direito, que impõe que o âmbito de proteção das coisas seja de tempos em tempos revisitado, com o eventual realinhamento dos seus fundamentos e contornos, considerando a necessidade e o desejo da sociedade. Sujeito e objeto de proteção do direito autoral. A Lei de Direitos Autorais estabelece que (i) “autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica[9], mas que a proteção poderá ser aplicada às pessoas jurídicas, nos casos nela previstos” e que (ii) são obras intelectuais protegidas “as criações do espírito expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte”, tais como aquelas que exemplifica o texto[10]. O estudo destes dois elementos, autor e obra, é essencial para chegar a uma conclusão sobre a questão das obras produzidas por IA na legislação vigente, de modo que, a partir deles, iniciaremos essa reflexão. 1.1. Da identificação do autor na obra protegida. A Convenção de Berna (Decreto 75.699/75) não trata da definição de autor, dedicando-se a definir (art. 2º) quais modalidades de obras são protegidas, sem se preocupar com a forma de produção e seu conteúdo. A Lei 9.610/98 é absolutamente clara ao dizer que o autor sempre será a pessoa natural. Mesmo nas hipóteses em que ela faz referência a pessoa jurídica como titular de direito, o faz por ficção legal, para dizer que a proteção sobre os direitos patrimoniais atribuída ao titular, equivale àquela outorgada ao autor criador, sendo deste, entretanto, de modo inalienável e irrenunciável, o direito de invocar a autoria. A doutrina reforça essa posição, como se verifica do escólio de Newton Silveira[11] e de Antônio Chaves[12], para quem, o resultado da obra autoral deve decorrer da criatividade, que constitui a “matéria-prima do direito de autor, mais preciosa do que os materiais e metais mais raros”. Para Chaves, ainda que o sujeito criador faça uso de uma aparelhagem computadorizada ou, sendo possível, de algum apetrecho que recolha diretamente as ondas cerebrais para traduzi-las em escrita, a autoria sempre será do ser humano que induziu a máquina a produzir aquele resultado. Vê-se que, mesmo prevendo a possibilidade de utilização de meios equiparáveis à IA, Chaves em momento algum cogita que a autoria não deva ser atribuída exclusivamente à pessoa natural. Ao falar sobre a figura do autor, Chaves diz que “autoria, na acepção que aqui interessa, é a condição de gerar: um filho, um pleito, um crime, uma obra literária científica ou artística” e reconhece mais adiante, reportando-se a exemplos históricos, que “nem sempre é tarefa simples determinar quem é autor e o que é obra”.[13] Diz ainda o professor, citando Hector Della Costa, que a “peculiar significação de sujeito em direito de autor encontra-se antes de mais nada, em que somente