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Por Marcelo Manoel Barbosa.

Para compreender o significado e a importância do “princípio da nação mais favorecida” (Most-Favoured-Nation – MFN), é necessário conhecer um pouco do contexto histórico no qual ele foi gerado.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial parte dos países aliados decidiu estabelecer algumas normas para regular a economia internacional, o que deu origem ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio, conhecido pela sigla GATT. As nações signatárias, se reuniam periodicamente em eventos chamados “rodadas”, para debater e estabelecer acordos comerciais, visando um melhor desenvolvimento econômico dos países membros.

Durante a denominada Rodada Uruguai (1986 a 1994), os países desenvolvidos, fortemente incomodados com o tratamento que vinha sendo dado às questões internacionais relacionadas à propriedade intelectual, em especial à pirataria, decidiram criar um grupo de estudos para examinar a matéria, que a rigor era um tema de política pública, dando origem ao final dos trabalhos ao acordo TRIPs: Agreement on Trade- Related Aspects of Intellectual Property Rights, em português: Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio.

Em 1 de janeiro de 1995, com o Acordo de Marraquexe, foi criada a Organização Mundial do Comércio (OMC), que passou a gerenciar o GATT e as demais normas do comércio internacional.

Mesmo diante de importantes tratados que há mais de um século regulavam o tema da propriedade intelectual, como a Convenção da União de Paris e a Convenção de Berna, faltava um instrumento que permitisse aos países impor barreiras não tarifárias valendo- se esse fundamento (PI), tendo o TRIPs, o mérito de harmonizar esses diplomas multilaterais sob a ótica do comércio internacional, universalizando os parâmetros mínimos de proteção desses ativos intangíveis e criando um mecanismo judicante global com poderes coercitivos.1

A finalidade do TRIPs, como expõe Maristela Basso, é assegurar por meio de um acordo multilateral, um nível mínimo de proteção para os direitos de propriedade intelectual, já que, “sem essa garantia, as empresas que investem em inovação, não encontram um ambiente seguro para transferir tecnologia”.2

Antes do TRIPs (1994), o Sistema Internacional de Propriedade Intelectual era regido pelo “princípio da territorialidade”, segundo o qual, cada país tem soberania para tratar internamente os assuntos relacionados a esse tema e pelo “princípio do tratamento nacional”, que estabelece que cada país deve oferecer aos estados membros, o mesmo tratamento dispensado ao titular de direitos nacional.

Com o advento do TRIPs surgiram outros dois princípios relacionados ao Direito Internacional Comercial que foram integrados ao Sistema de Propriedade Intelectual. São eles o “princípio do single undertaking”, que determina que ao ingressar na Organização Mundial do Comércio ou aderir a um dos seus acordos, o Estado-Membro deve aderir a todos os acordos a ela vinculados e o “princípio da nação mais favorecida”, que determina que a vantagem concedida a um país membro deve ser incondicionalmente estendida aos demais países.

O princípio da nação mais favorecida, num primeiro momento, parece não fazer muito sentido, pois aquele que cede uma vantagem adicional a um determinado membro, sem qualquer contrapartida dos demais, se obriga a garantir o mesmo privilégio a estes. Por outro lado, aquele que primeiro recebe a vantagem através de um acordo bilateral, deve assegurar uma contrapartida ao seu parceiro, que os demais países automaticamente beneficiados não estão obrigados a fazê-lo.

A lógica desse sistema, como explica Claudio Lins, é que o país que se encontrar em desvantagem competitiva em decorrência de uma concessão dessa natureza, sentir-se-á obrigado a exigir reciprocidade em outros acordos similares que vier a celebrar, criando um ambiente de constante negociação, que tende a disseminar benefícios e elevar o patamar de proteção dos signatários, fomentado um ambiente de maior uniformização. 3

O campo de aplicação dessas benesses é bastante vasto, pois inclui toda e qualquer vantagem, favorecimento, privilégio e imunidade concedido entre os Estados-Membros4.

A lógica do sistema é de fato inteligente, já que os países produzem e demandam bens e serviços desiguais, de modo que, a vantagem oferecida a um, pode ser absolutamente irrelevante para outros, ao passo que a contrapartida recebida, pode representar uma vantagem competitiva determinante para sua economia.

Sob esse prisma, a desigualdade entre os países no que tange à vocação natural para produção de riquezas, propicia um ambiente de crescimento orgânico, pois possibilita diferentes e indefinidas configurações globais. É como se cada movimento, pudesse ser comparado a jogada de uma partida de xadrez, na medida em que irradia efeitos sobre todo o tabuleiro e demais peças, as quais, mesmo inertes, podem se ver beneficiadas ou ameaçadas a cada lance.

Do ponto de vista principiológico, há que se reconhecer a importância desse acordo de caráter multilateral que iguala o tratamento entre os países, repelindo, como explica Adriana Tolfo, qualquer ato discriminatório5.

Claudio Lins chama a atenção para o fato de esse princípio não alcança as concessões garantidas antes da entrada em vigor do Acordo, sempre com a máxima de que esse critério não pode configurar uma situação de discriminação arbitrária ou injustificada em desfavor do nacional de um Estado-Membro6.

Esse princípio motiva os países membros a proporem, mediante o escambo que lhes for conveniente, um aumento nos parâmetros protetivos, impulsionando-os a forçarem seus parceiros, por meio de novas negociações, a aderirem a esse padrão superior, de modo a não permanecerem sozinhos em desvantagem.

Se conceitualmente o TRIPs-Plus tem o mérito de elevar os níveis mínimos de proteção, por outro lado, em que pese a ideia da cláusula de não discriminação, a realidade é que essa isonomia de tratamento nem sempre é suficiente para colocar em pé de igualdade países em condições economicamente díspares.

Ao falar sobre o tema, Patrícia Carvalho lembra que ele tem efeitos prejudiciais aos Estados periféricos, fazendo referência a Celso D. de Albuquerque Mello, segundo o qual, não há equilíbrio jurídico num ambiente em que impera o desequilíbrio nas relações econômicas. 8

Transpassando essa visão talvez romantizada, Maristela Basso assevera que para obter ajuda econômica, os países em desenvolvimento acabam oferecendo padrões mais elevados de proteção, através de acordos de livre-comércio que vêm disfarçados de certas benevolências, mas que, na realidade, revelam-se instrumentos coercitivos, pois interferem de modo prejudicial nas estratégias de desenvolvimento tecnológico destes entes políticos menos favorecidos.9

Assim, em linha de conclusão, podemos dizer que o princípio da nação mais favorecida propicia um ambiente multilateral de escalada capilar dos parâmetros protetivos mínimos previstos no acordo TRIPs.

Notas:

1) VASCONCELOS, Cláudio Lins. Mídia e Propriedade Intelectual. A crônica de um modelo em transformação. 1ª Edição. Rio de Janeiro. RJ. Editora Lumen Juris. 2013. p. 46

2) BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2000. p. 153 e 155.

3) VASCONCELOS, Cláudio Lins. Mídia e Propriedade Intelectual. A crônica de um modelo em transformação. 1ª Edição. Rio de Janeiro. RJ. Editora Lumen Juris. 2013. p. 82.

4) BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2000. p. 181.

5) OLIVEIRA, Adriana Tolfo. O Regime Jurídico Internacional e Brasileiro das Marcas. 1ª Edição. Porto Alegre. RS. Editora Síntese. 2003. p. 53.

6) VASCONCELOS, Cláudio Lins. Mídia e Propriedade Intelectual. A crônica de um modelo em transformação. 1ª Edição. Rio de Janeiro. RJ. Editora Lumen Juris. 2013. p. 79).

7) O termo TRIPS-plus está consagrado na doutrina e faz referência a políticas, estratégias, mecanismos e instrumentos que implicam compromissos que vão além daqueles patamares mínimos exigidos pelo Acordo TRIPS, que reduzem ou inviabilizam as flexibilidades ou ainda estabelecem padrões ou regulamentam questões não abordadas pelos TRIPS (“TRIPS-extra”) (BASSO, Maristela. Propriedade Intelectual na era pós-OMC. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2005, p.24).

8) CARVALHO, Patrícia Luciane. Propriedade Intelectual. Estudos em Homenagem à Professora Maristela Basso. PRONER, Caroline. Organização Mundial do Comércio e TRIPS. 1ª Edição. Curitiba. PR. p.98. Editora Juruá. A autora se reporta a Celso D. de Albuquerque Mello. Direito Internacional Econômico.

9) (BASSO, 2005, p. 20).

Autor: Marcelo Manoel Barbosa, sócio de Lia e Barbosa Sociedade de Advogados.

Fonte: https://www.jornaljurid.com.br/doutrina/internacional/o-principio-da-nacao-mais-favorecida-e-seu-impacto-na-expansao-internacional-dos-parametros-de-protecao-trips-plus?fbclid=IwAR0DnyPNxNbERy8EviqHZXJ11VrpTmSQ-7ijdk2o5eU2JhOXLZKCOQwp9yU